segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A ESCRITA CONTINUA DESAFIANDO


Neuza Maria Tozzi1


"O que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana” (Vygotsky).

Questionar tal pensamento, não obstante, caracterizaria atrevimento, ousadia. Abuso de autoridade intelectual, até.

Na dinâmica da atividade profissional de um professor, dilemas inerentes não faltam. A escrita representa, talvez, o maior deles.

O contexto educacional hoje requer um profissional diferente daquele de tempos idos. É fato que o registro serve como elemento de apoio para a reflexão, ao mesmo tempo em que pode contribuir para a constituição de práticas docentes reflexivas. Esse ato, entretanto, não deve ser visto como algo que se constitui linearmente, como se o simples escrever, garantisse automaticamente mudança de postura e, consequentemente, de prática, mas um registro pessoal dá conta de revelar a tomada de posição de uma pessoa.

Escrever não é tarefa fácil. A escrita compromete. Rompe o silêncio alienante. Envolve trabalho árduo. Obriga o exercício de muitas ações. Imprime marcas individuais. Dá medo. Mas, conforme destaca Madalena Freire, a escrita e a reflexão disciplinam o pensamento para a construção do conhecimento e do processo de autoria. A escrita materializa, dá concretude ao pensamento, possibilitando voltar ao passado, enquanto se está construindo as marcas do presente. E, continua afirmando que o registro amplia a memória e historifica o processo em seus momentos e movimentos.

Refletir através de registro escrito é ultrapassar a simples constatação. Registrar não é prática comum no nosso cotidiano, muito embora essa ação seja considerada condição indispensável. Situação esta, paradoxal, contraditória.

Sônia Kramer relata que para tornar-se sujeito da história e sujeito na história, é preciso rever a trajetória individual com a leitura e a escrita, reler o que foi escrito em cada um.

Nas ciências humanas não há um sujeito que olha para um objeto, como é o caso das ciências naturais. Nas ciências humanas, existe um sujeito que é objeto de si próprio, que reflete sobre si mesmo e suas relações e, nessas relações, constrói seus conhecimentos. Conhecimentos, portanto, produzidos socialmente, situados na história e na cultura. À referida ciência cabe o desafio de perceber e compreender o homem na sua condição inalienável de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto, produto e processo, visto que o homem não é objeto, é ser humano, e pensá-lo (pensar-se) requer ultrapassar os limites da epistemologia, conjugando ao conhecimento também as dimensões ética e estética, só possível pela via da linguagem (Kramer, 1992).

Essas e outras considerações ajudam, quiçá, a esclarecer por que sabemos quase nada uns dos outros, tendo em vista que “o homem só pode ser estudado como produtor de textos, como sujeito que tem voz, nunca como coisa ou objeto e, nesse sentido, o conhecimento só pode ter caráter dialógico” (Kramer, 1992).

É do conhecimento de todos, se não, da grande maioria, que escrever não é dom. Escrever é um procedimento e, como tal, demanda exercitação. Não é necessário gostar de escrever para fazê-lo. Basta ter o que dizer. Nós, no cenário de atuação, absolutamente temos muito a dizer, pois precisamos registrar nossas vivências e refleti-las. Independentemente da área de conhecimento em que atuamos, valemo-nos da escrita para estruturar sínteses, relatórios, sistematização escrita de falas, opiniões, argumentos, enfim. Mas, identificar a própria limitação como um problema que está colocado e que precisa ser enfrentado, é façanha de bem poucos.

Por isso, a liberdade para reafirmar, e de forma bastante sensibilizada, que A ESCRITA CONTINUA DESAFIANDO.


1 - Professora formadora de Língua Portuguesa no CEFAPRO – Polo de Alta Floresta/MT.

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